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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Como construir um arco primitivo by Túlio Ottoni

          Amigos, apresento-lhes o meu amigo e professor Túlio Ottoni, e o artigo que me propiciou entrar no mundo da arquearia tradicional. 
          Em meados de 2001 eu "navegava" pela internet em busca de uma carabina de pressão pra comprar, e não me lembro por qual motivo o site de busca me mostrou o link para este artigo. Não preciso dizer que o lí vorazmente e esta leitura acendeu em mim o desejo construir meu próprio arco e minhas próprias flechas. Imediatamente entrei em contato com o autor, que foi extremamente atencioso e paciente em ensinar um jovem afobado e inexperiente nos primeiros passos para se tornar um Bowyer.

          Deixo registrado aqui o meu mais sincero agradecimento pela honra de poder ter sido discípulo de um dos maiores, se não o maior conhecedor de arquearia primitiva no Brasil.

          Um grande abraço professor Túlio Ottoni.


O ARCO PRIMITIVO 


          Túlio está empunhando um flatbow de sua lavra, confeccionado em ipê-roxo 54 libras a 28 polegadas


 Túlio Cícero de Castro Ottoni            

INTRODUÇÃO 

    O arco e flecha tem atraído muito a atenção de jovens de 8 a 80 anos nos dias de hoje.  É fascinante ver como brilham os olhos de uma criança ao ver alguém praticando tiro com arco.  Quando estou treinado em nossa Associação, às vezes chega um grupo de crianças de oito a doze anos e ficam de longe olhando com os seus olhinhos fixos no alvo. Quando chegamos a fazer um bom agrupamento de flechas no alvo ficam admirados, soltando exclamações próprias da idade.
    Mas, em face do alto custo do equipamento utilizado hoje em dia, muitos tem optado por fabricar o seu próprio arco. Mas o que tem levado muitos arqueiros a optarem pelo arco primitivo ou mesmo nativo é somente uma: satisfação pessoal. Há também o romance do esporte fazendo com que você retorne às bases do arco primitivo. É claro que esta modalidade é muito mais difundida no exterior, com associações próprias e inúmeros artigos e livros editados a respeito.
    Aqui no Brasil, o arco primitivo mais conhecido é o arco do nosso índio, o índio brasileiro, o qual também é chamado de arco nativo. Interessante como o estrangeiro tomou a iniciativa e estudou tais arcos. Existe até um livro publicado sobre o arco do índio sul-americano, o que nada mais é senão o arco do nosso índio, o arco nativo.
    Por ocasião da primeira etapa do 1º Torneio da Federação Goiana de Tiro com Arco, em março/2000, esteve aqui em Goiânia arqueiros do Estado do Mato Grosso, disputando a modalidade do "Arco Nativo". É impressionante ver aqueles arcos atirarem aquelas flechas enormes, as quais pareciam perdizes assustadas alçando vôo no meio do pasto quando a gente delas se aproxima. Ali estiveram expostas uma variedade de flechas dos índios de várias nações, tais como Gavião, Xavantes etc., as quais chamavam a atenção pelo esmero e beleza da sua confecção. Os arcos também eram notados pela aspecto primitivo e madeira usada.
    Contudo o arco primitivo ou o arco nativo não se restringe somente ao arco do índio brasileiro. Temos que nos reportar ao passado do homem moderno para verificar que vários tipos de arcos foram elaborados naqueles tempos. O que caracteriza o arco primitivo é a sua total ausência de material sintético ou moderno na sua elaboração. Podemos citar aqui o famoso "longbow" inglês; o "flatbow" do índio norte-americano; os famosos arcos recurvos e compostos da Ásia, Coréia, Turquia, e mesmo Egito, os quais eram compostos de madeira, chifre de búfalo d'água e "sinew" (tendão da pata de veados, búfalos, etc.),  famosos pela durabilidade e velocidade de seus tiros, dando especial fama aos turcos. Não poderíamos esquecer aqui dos arcos japoneses, os quais são feitos de bambu e tiras de outras madeiras em seu interior e moldados em sua forma peculiar tão atraente.
    Muito se poderia falar sobre a origem e elaboração de tais arcos até os dias atuais, mas a finalidade precípua de nosso artigo é repassar a técnica do  fabrico do arco primitivo, em dois modelos a escolher. Este artigo vem também resgatar a falta do assunto em nossa língua portuguesa, já que existem inúmeras páginas na Internet esgotando exaustivamente o assunto sobre o arco primitivo.
    Pessoalmente confeccionei três arcos primitivos, de Ipê Roxo, especialmente o similar ao flatbow do índio norte-americano, por me parecer mais atraente. Fiz um simples e outro com sinew aplicado em suas costas, o qual aumentou substancialmente a sua força. No entanto, havia feito um protótipo com sinew o qual em vez de fortalecer o arco, o sinew roubou metade de sua força. A conclusão que cheguei foi que o sinew usado para o '"backing" (colagem das fibras do tendão nas costas do arco) foi de gado confinado. Como o gado confinado não faz exercício nenhum, a não ser comer, é claro que o tendão do animal será fraco. Todos os três acabaram quebrando, em face de falhas na sua elaboração. Mas enquanto estavam atirando deram-me enorme satisfação não só no prazer da sua elaboração, como no próprio uso em si.
    Desnecessário será dizer aqui o enorme trabalho despendido para a confecção dos arcos. No entanto, quando você tem o produto finalmente acabado e faz o primeiro tiro com ele, algo mexe com você. Talvez toda a nossa herança ancestral venha à tona nesse instante, quando o potencial de tal instrumento foi descoberto e as possibilidades de se conseguir, com mais facilidade, colocar o alimento na mesa para a mulher e os filhos, sem arriscar tanto a vida para conseguir encher a barriga faminta. 
O LONGBOW 
    O longbow é o arco que mais se aproxima do índio brasileiro pela sua forma. Contudo, aqui iremos considerar o termo "longbow" o arco com pontas retas fabricados pelos antigos arqueiros ingleses. Este arco tem, em geral, mais ou menos 1,70 a 1,80 m de comprimento, cujas extremidades são finas, embora mais "gordas" do ponto de vista do arco flatbow.  Em suma o arco é ligeiramente menor do que o arqueiro e sem qualquer curvatura drástica nas suas lâminas. Na realidade, o que caracteriza o termo "longbow" é a sua aparência e não os materiais com que ele foi fabricado. O arco em causa pode ser construído inteiramente de madeira e coberto de materiais tais como couro cru, ou sinew (tendão) ou ele pode ser feito de laminações de madeira, fibra de vidro ou qualquer outra fibra sintética.
 O FLATBOW 
    O flatbow é feito menor do que o longbow e quase sempre com as lâminas mais largas. Para entender o princípio básico da madeira no flatbow temos ver o arco através de um corte transversal.  Quando fazemos um corte transversal no arco verificamos que a sua espessura medindo das suas costas ao seu ventre. A pergunta é : de que lado é a costa do arco e de que lado é a seu ventre? Bem, se você segurar o arco em posição de tiro, com o braço esticado à sua frente, o ventre do arco estará voltado para a sua face e as costas, é claro, o lado oposto. Quando você puxa a corda de um arco em posição de tiro, a costa do arco é esticada e o ventre é comprimido. Quanto maior é a espessura do arco, maior é a força de quebra imposta ao ventre. Muito se pode fazer para minimizar a força de quebra na costa de um arco, através de fibra de sinew, couro cru, etc., mas pouco se pode fazer em relação ao ventre do arco. Um bom bowyer (fabricante de arco) não ousaria em fazer um arco de madeira com uma seção transversal muito grossa. Em arquearia isto é chamada de "stacking", ou seja, empilhamento dos anéis de crescimento da madeira no braços do arco. Os antigos longbows ingleses eram conhecidos pelo seu elevado desenho de "stacking".
    Por outro lado, um arco cuja seção transversal é relativamente fina das costas ao ventre pode dobrar-se substancialmente sem quebrar-se. É o caso do flatbow. Exemplo: você pode dobrar substancialmente uma régua de madeira, mas nem de longe poderá dobrar um palito de dentes por causa da sua forma arredondada. Ele dobrará somente um pouco antes de quebrar-se. O lendário Jay Massey, famoso bowyer primitivista do Alaska, em seu livro The Bowyer's Craft,  menciona que o dilema do arqueiro que se aventura em fazer uma arco de madeira é  fazer um  arco grosso, o qual é difícil de puxar e se puxado, poderá, talvez, quebrar ou fazer um arco fino, que poderá não ter força nenhuma. E, como o próprio Jay recomenda, "...são limites dentro dos quais você terá que trabalhar". E é justamente assim que o flatbow é feito: nem tão grosso, nem tão fino – porém com suas lâminas mais largas. A largura das lâminas é que o faz forte. Contudo não vá fazer um arco com lâminas tão largas que possa parecer mais asas de um avião do que um arco! Você não poderá vergá-lo. 
A MADEIRA 
    Os arcos primitivos europeus e norte-americanos eram e são ainda confeccionados por duas espécies principais de madeiras obtidas das seguintes árvores: o Yew e a Osage Orange. Até o Sassafrás é usado para se fazer arcos. O Yew é o preferido para os longbows e o Osage Orange para os flatbows. Como são árvores não cultivadas no Brasil, recomendamos três madeiras relativamente fáceis de se obter. A primeira é o Ipê Roxo, a segunda o Pau Brasil e a terceira é a Aroeira (Gonçalo Alves). Esta última me foi recomendada pessoalmente, juntamente com o Ipê, por Mike R. Rigazio (drawknif@TheRamp.net), bowyer norte-americano.
    O Pau Brasil é o preferido pelos fabricantes de arco de violinos, pela sua flexibilidade e beleza. O programa Globo Rural, da Rede Globo de Televisão realizou uma reportagem excelente sobre esta árvore maravilhosa que deu origem ao nome do nosso País. Em determinada parte da reportagem o locutor mostrou uma das utilizações do Pau Brasil pelos nossos índios: o arco. Foi uma pena não ter discorrido mais sobre esta utilização.
    O Ipê Roxo é, para mim, a madeira de primeira escolha, tendo em vista ser mais fácil de encontrar e, sobretudo, de se trabalhar. Os índios brasileiros utilizam muito o Pati, que é extraída da palmeira que leva o mesmo nome. Também utilizam o Roxinho. Bem, por não ter experimentado qualquer madeira extraída da palmeira Pati, não poderia sugeri-la na confecção dos arcos deste artigo, pela simples razão da variação do seu desempenho, que é diferente de madeira para madeira. Um arco confeccionado com Ipê Roxo pode ser mais forte do que o Pati ou o Pau Brasil, ou vice-versa. Até mesmo arcos da mesma madeira, com as mesmas medidas, podem variar de potência. No entanto, caso queira experimentar, conte-me depois como foi.
    O arco é nada mais nada menos do que uma mola. Puxa-se a corda, o arco é vergado. Solta-se a corda e o arco volta a posição de repouso instantaneamente. É o princípio da mola. Quando se faz um corte transversal em um tronco de árvore pode-se ver seus anéis de crescimento. Esses anéis são formados anualmente e é utilizado para se verificar a idade provável da árvore. Esses anéis são mais salientes quando a árvore sofre a ação dos ventos frios do inverno. Quanto mais anéis tiver uma árvore, mais idosa ela será. Quando os anéis de crescimento crescem mais perto uns dos outros, em algumas árvores, melhor o seu efeito "mola". É o caso do Osage Orange dos Estados Unidos. O Pau Brasil tem esta característica também. Não tão saliente quanto o Osage Orange, mais é fácil de se ver no corte transversal. O Ipê Roxo não tem esta característica mais saliente, mas pode-se verificar também. Quando nos deparamos com uma árvore adulta, devemos ter um sentimento de respeito por aquela espécie vegetal. Ela poderá ser muito mais velha do que você. As vezes passo pela avenida Araguaia que passa entre o Parque Mutirama e o Parque Botafogo, no setor central de Goiânia, em Goiás, e ergo meus olhos para aquelas árvores centenárias que já estavam ali muito antes da fundação da cidade, penso comigo mesmo por quanto tempo mais elas irão resistir à poluição dos veículos que trafegam por aquela avenida e quantas irão resistir a depredação pela mão do homem.
    Outro aspecto a ser levado em consideração na madeira a ser utilizada para a confecção do arco é o seu fator de umidade. Não se pode fazer um arco de madeira verde, por razões óbvias. Por outro lado não se pode fazer um arco de madeira muito seca, pois irá quebrar na primeira puxada da corda, não importa quão bem foi confeccionado. A compra de um aparelho para se medir a umidade da madeira será um bom investimento, principalmente se você optar por ser um bowyer profissional (e porque não? Fred Bear, um dos pioneiros americanos fabricantes de arco começou fabricando arcos para si e para os amigos!). Caso não possa adquirir esse aparelho, a solução está nas mãos. Uma madeira está pronta para ser trabalhada se estiver seca e aquecida ao toque das mãos e imprópria para o trabalho se apresentar fria e úmida ao toque. Somente a prática lhe fará hábil em identificar a madeira que estiver no ponto para ser trabalhada. Por outro lado, se tiver o aparelho para medir a umidade da madeira, esta deverá estar entre 8 e 13% de umidade para poder ser trabalhada. Outra solução será conseguir madeira nova e estocá-la pelo período de dois anos ou mais.  Neste caso, você a corta em pequenas toras cortadas ao meio, sentido transversal, semelhante ao aspecto de se rachar lenha, só que será uma lenha maior, um pouco maior do que o arco que deseja construir, tire sua casca e sele com algum material vedante, tal como uma seladora, cola de sapateiro ou parafina, os lados extremos da madeira. Isto evitará que rache, secando lentamente e por igual. O ambiente de secagem deverá ser bem ventilado e a madeira não deverá se expor ao sol diretamente.
    Outra forma de se obter uma madeira seca para se trabalhar é construir uma caixa de secagem, com lâmpadas para aquecimento, a qual irá secar rapidamente a madeira, porém a qualidade da madeira a ser trabalhada será um pouco inferior, segundo dizem os melhores bowyers.
    Partindo do pressuposto que você dispõe de uma madeira já seca para ser trabalhada, deve observar os anéis de crescimento, os quais serão as costas do arco, que ficará do lado oposto ao arqueiro quando estiver atirando.  A parte externa da madeira, responsável pela condução da seiva da madeira não será utilizada por ser muito fraca. Então você deve voltar a sua atenção para a parte mais interna da madeira, ou seja próxima ao cerne, de cor escura.
    Mike R. Rigazio recomenda que, em se tratando de madeira dura, deve-se retirar a parte externa do tronco que está diretamente abaixo da casca, mais clara e voltar-se para a parte logo abaixo, que é mais escura, perto do cerne. Se a madeira usada for branca, ou clara, não há necessidade de se excluir tal parte.
    Todo cuidado para com a madeira ao confeccionar o arco é pouco. Você pode danificar, desbastar errado e enfraquecer o arco.  Os "nós" que aparecem na madeira também é um ponto crítico para o arco. Se o nó da madeira ficar na extremidade lateral da superfície do arco, ou seja, na beirada, com certeza o arco quebrará. No entanto se o nó ficar no meio da lâmina, mesmo a parte central do nó saindo e deixando um buraco, tem solução. Você tem que usar uma furadeira e tirar fora o nó. Se o nó da madeira for maior do que o diâmetro de um giz de escola, esqueça. Não use a madeira. No entanto se for do diâmetro de um giz de escola ou menos, retire o nó com a furadeira e, a seguir, confeccione um "Dutchman plug", ou seja um pedaço da mesma madeira, nas mesmas dimensões, com o anel de crescimento voltado para o lado longitudinal à lâmina do arco, que é o lado mais forte do "Dutchman plug" e cole-o no lugar com uma boa cola de madeira ou de couro.
    Embora haja caso de arcos com um buraco no lugar do nó que tenham tido vida longa, com o tempo, se não fizer este reparo, irá levantar pequenas lascas de madeira em volta que logo irá danificar o arco. Os turcos tiravam fora o nó e colocavam no lugar uma pequena bucha de sinew (tendão de animal) colada com cola de couro. Os turcos ficaram famosos pelos arcos compostos (madeira, sinew, cifre de búfalo d'água) pequenos e potentes de até 110 libras de força, que lançavam flechas especiais até 800 metros!  
COMO FAZER 
    O material que irá utilizar para confeccionar o arco será uma morsa grande (nº4), guarnecida com um pedaço de tapete liso (desses que se usa para forrar a carroceria de camionetas) de borracha ou um bom pedaço de couro para não estragar a madeira ao prendê-la na morsa, fita métrica, uma régua de metal, paquímetro (para as medidas de espessura), lápis de marceneiro ou uma boa caneta ponta porosa, uma machadinha bem afiada para desbastar a madeira, uma raspadeira, uma raspilha e lixas. Você também pode prender a madeira em um banco comprido e sem encosto, com dois grampos de rosca chamado "sargento" e trabalhar em cima da madeira com uma enxó.  Uma grosa e uma lima redonda também será de boa valia. Nos Estados Unidos os bowyers usam uma ferramenta muito rara por aqui mas que é de extrema valia: a "drawknife". Consiste em uma lâmina de aço, com um único fio, bem afiada, com dois cabos nas extremidades. Pode-se fazer uma de forma caseira, aproveitando a folha de uma lima de 20 a 30 cm. Para fazer o fio e o lugar de se colocar o segundo cabo será necessário destemperá-la e depois temperá-la novamente. É um  trabalho exaustivo, porém de extrema valia para quem estiver disposto e quiser ser um verdadeiro bowyer. Acho mais simples importar uma. Já vem afiada e pronta para uso. Muito provavelmente poderá ser achada em lojas especializadas em ferramentas importadas de marcenaria, em São Paulo - SP.
     Primeiramente você deverá trabalhar as costas do arco (a parte oposta à face do arqueiro quando está atirando). Lembre-se de duas coisas de extrema importância: 1) as fibras da madeira deverão estar no sentido longitudinal para que o arco tenha força e não se quebre facilmente. 2) os anéis de crescimento da madeira deverão estar como originalmente na madeira: uma sobre a outra (efeito mola). Portanto não faça cortes transversais na peça escolhida para o arco.
    Caso não tenha uma peça em bom tamanho para se fazer um arco, você poderá improvisar, com sucesso, o que se chama de junção em "cauda de peixe", o que é nada mais nada menos do que a junção de duas peças de madeira em recorte próprio semelhante à cauda de peixe, colando-as fortemente e, para reforço, introduzindo um pinho de metal na parte central da junção. Esta junção tem dois cortes próprios, os quais deverão ser efetuadas, para melhor feitio, já que serão encaixadas entre si, em uma serra de fita. Após a colagem das peças de madeira uma na outra, dá-se prosseguimento ao desbaste da peça para se chegar à forma do arco. O punho deverá estar situado justamente na junção das peças, e o pino de metal (o qual poderá ser um prego destituído da cabeça e da ponta) colocado com cola somente após o desbaste para se chegar ao punho. 
    Após tirar a parte abaixo da casca da madeira, você deverá chegar a uma forma bem aplainada da madeira.
    O passo seguinte será, com um lápis de marceneiro ou uma boa caneta ponta porosa, marcar as medidas do arco nas costas da madeira, primeiramente traçando uma linha longitudinal central. Depois  marque o centro do arco no sentido transversal e, após, as medidas de desbaste até a ponta das lâminas onde será feito o "nock" (parte onde é encaixada a corda do arco). Com as medidas postas nesta parte da peça de madeira, estará então desenhado o arco em si, pois unindo as medidas chega-se ao desenho do arco na peça.
    Após efetuar as marcas da medida, deverá virar a madeira e trabalhar o ventre do que será o futuro arco. Marque o centro do futuro arco e comece a desbastar a partir daí, uma metade de cada vez. Quando tiver chegado próximo a parte mais grossa do futuro arco é hora de fazer as marcas das medidas de espessura. Tire a madeira do suporte de sargentos ou da morsa e, aproveitando as marcas feitas nas costas do futuro arco, marque as medidas de largura e espessura. A partir daí, trabalhando o ventre e os lados do futuro arco, é melhor usar um paquímetro, sempre auferindo as medidas para dar o caimento perfeito e simultâneo de cada medida. O trabalho é maior quando se faz o desbaste com o punho do arco na própria madeira (é a parte mais espessa do arco). Se o punho for colado após, o trabalho de desbaste é mais rápido. Contudo, como o punho colado é algo mais complicado, fixaremos nossa atenção no punho esculpido no próprio arco.
    Quando o desbaste está muito próximo das medidas de finalização e a madeira já apresentar uma forma tosca do futuro arco, é hora de mudar para uma raspadeira de metal ou vidro e ir, com paciência, fazendo os desbastes até chegar a forma final do arco. É um trabalho muito especial e paciente, pois qualquer erro nas medidas poderá enfraquecer ou arruinar o arco.
    Com a forma tosca do arco, é hora de se fazer um nock (lugar onde encaixa as cordas) provisório e, com uma corda de nylon, em tamanho maior do que o arco, fazer uma amarra simples nas extremidades do arco e, segurando no punho do arco, puxe levemente a corda e verifique se ambas as lâminas estão se curvando por igual.
    Caso tenha disponibilidade ou tenha intenção de se tornar um bowyer, pode utilizar um ótimo método para auferir a curvatura das lâminas. Embora simples, requer um certo trabalho. Se tiver uma garagem, ou mesmo um cômodo onde você trabalha sua oficina de hobby, e dispor de um poste de madeira ou uma pilastra, ou mesmo a própria parede do lugar, parafuse nela uma lâmina de compensado de 1,90 m de largura por 1 m de altura e cole cartolina em toda a sua extensão. A seguir, risque um quadriculado de em toda a sua extensão. Este quadriculado poderá ficar a seu critério, dependendo do mais fiel possível irá querer averiguar a curvatura das lâminas.  Eu creio que retângulos de 8x4 cm é mais do que suficiente para o serviço. A seguir procure o centro exato do painel e parafuse ali, com dois parafusos tipo nº 8 de rosca soberba, um suporte no formato de um triângulo com a parte superior abaulada para assentar o punho do arco, na 2ª linha do início superior do quadriculado. Após, umas duas linhas do quadriculado, contando debaixo para cima, na parte central do painel, alinhado com o suporte para o arco, fixe uma pequena roldana. Lembre-se de que a fixação destes dispositivos deverá ser bem feito para não danificar o painel e, é claro, não acontecer nenhum acidente, como a roldana se soltar pela ação da corda e vier atingir seu rosto e, pior ainda - seus olhos.
    Com o painel pronto, ponha o arco no suporte, amarre uma corda de nylon na corda do arco e passe a extremidade da corda pela roldana. A seguir vá puxando levemente e verificando a curvatura das lâminas. Se uma das lâminas do arco não está curvando igual a outra, ou seja, uma estiver curvando mais do que a outra, é sinal de que a que estiver curvando menos deverá ser mais desbastada até curvarem por igual. Se isto acontecer desbaste até conseguir uma simetria aceitável. Caso não use o painel auferidor de lâminas, o recurso é o mencionado anteriormente, usando as mãos para vergar levemente as lâminas com a mão e os olhos para discernir a simetria de curvatura.
    Com as lâminas curvando por igual, é hora de se fazer o acabamento com uma raspadeira de metal ou vidro, e após, passando a usar uma boa lixa para finalizar.
    Após este trabalho você já tem em mãos o que se pode chamar de um arco semi-acabado. É hora de se colocar a corda no arco e verificar os pontos que precisam ser mais desbastados. Após este procedimento, se o arco já estiver bem desbastado, dobrando as lâminas, por igual, parte-se para o trabalho de lixa. Comece com uma lixa de madeira grossa e finalize com uma de granulação fina, a mais fina que puder encontrar. Nesta fase de acabamento o arco começa a apresentar-se atraente e a vontade que temos é a de darmos uns tiros com ele. Calma. Vá devagar. Contenha a sua vontade de puxar a corda do arco até o queixo completamente, principalmente se você tem braços compridos. Lembre-se que o padrão internacional de puxada para arcos simples é de 28 polegadas. Outra coisa de que deverá se lembrar também que um arco sem nenhuma proteção nas suas costas é um arco 80% quebrado. Assim sendo, a coisa mais sensata a fazer é fazer uma aplicação de couro cru ou sinew (fibra de tendões) nas costas do arco. Isto manterá as fibras da madeira fixas na madeira enquanto é submetido ao "esticamento" pela puxada de tiro. Dos métodos citados, o que mais dará segurança ao seu arco é a aplicação de fibras de sinew. O couro cru é bom mas não tão bom quanto o sinew. 
APLICAÇÃO DE SINEW 
    O sinew, são fibras derivadas dos tendões de animais ativos. Ativos porque se for extraído de animais em confinamento, tipo gado confinado, serão tendões fracos e atuarão de forma inversa no arco, enfraquecendo-o. A função da aplicação de materiais nas costas do arco, como mencionamos anteriormente, é evitar o arco de quebrar, tendo em vista que o auxilia a manter as fibras da madeira nas costas do arco - as quais estão sob tensão quando o arco está em posição de tiro – evitando de se levantarem. Seria mais ou menos "um arrepiar de fibras" tal qual os cabelos do braço quando se está com frio.
    O lendário Saxton Pope escreveu que quebrou vários arcos até atender o conselho do último índio selvagem americano, cujo nome era Ishi, de aplicar fibras de sinew no arco.
    Mas  atente para isso: uma simples aplicação de sinew ou couro cru ou mesmo couro comum nas costas do arco não irá garantir o arco de quebrar se você não estiver seguindo as linhas longitudinais de crescimento na sua peça de madeira ao construir seu arco!
    Os tendões do sinew mais usados são os da pata traseira do animal. São maiores do que as das patas dianteiras e rendem mais. A lógica é que o animal dispensa mais energia através de suas patas traseiras ao deslocar-se, em corrida, por exemplo, todo o seu corpo para frente. O ideal seria usar tendões de animais silvestres tais como o  Veado. Como a caça no Brasil está proibida, o recurso será apelar para sinew de gado. O tendão de búfalo será ótimo. O tendão que procuramos está localizado na parte traseira da pata do animal, logo acima do casco. Sua cor é branca. Não use quaisquer outros tendões brancos ou amarelados do pescoço ou outro local em que encontre tendão. Use somente o indicado ou o resultado do trabalho lhe deixará frustado.
    De posse dos tendões, limpe o mesmo de quaisquer resquícios de carne ou gordura, os quais podem arruinar os tendões, deteriorando-os. Após esta limpeza, coloque para secar durante algumas semanas. Depois de secos terão uma consistência dura e uma aparência de âmbar transparente, os quais deverão ser processados da seguinte forma para se obter as fibras. Com uma pedra de forma achatada e um martelo de madeira, bata em cada tendão até ele se desmembrar em filamentos. O martelo de madeira é a melhor opção para bater o tendão, tendo em vista que não irá estragar os filamentos. Após malhar os tendões, quaisquer sobras de tecido muscular ou gordura ficarão à parte dos filamentos que terão a cor esbranquiçada.
    O passo seguinte será obter a cola para a aplicação do sinew. A cola que se deve usar é a cola obtida do couro. Não compre cola de couro pronta, mesmo porque é dificílima de se encontrar. Mas isto não é problema. Você poderá obtê-la, fervendo em água pedaços de couro de gado abatido e alguns tendões juntos. Poderá usar cabeças e caudas de peixe também. Demorará um pouco para se chegar ao resultado, já que é uma operação que irá consumir certo tempo, mas compensa. A grossa geléia que sobrar no fundo da panela é cola de couro.
    A aplicação do sinew não deverá ser algo imediato à confecção da cola de couro. Deixe a cola secar e descansar na geladeira uns três dias antes de processá-la para aplicação. Enquanto isto verifique se o arco está curvando simetricamente, faça os devidos desbastes nos pontos que precisarem de ajuste. Use sempre uma corda mais longa do que o que irá usar no arco quando pronto, lembrando sempre de não puxar muito a corda, senão todo o trabalho estará arruinado.
    Quando tudo estiver pronto, coloque o arco em uma morsa forrada com um couro grosso ou borracha (a borracha costuma deixar a madeira do arco manchada; dê preferência ao couro grosso) com as costas voltadas para cima. Passe um pano embebido em acetona para tirar quaisquer resquícios de gordura.
    Misture as granulações de cola de couro em uma panela ou marmita velha que tiver em casa com água quente e espere reconstituir a consistência de uma sopa média, nem tão grossa, nem tão fina. Aqueça a cola de couro de forma que você possa pegá-la confortavelmente com os dedos, o que deverá ser uma temperatura em torno de 48 a 54 graus centígrados. Atenção! Se a cola estiver quente demais irá cozinhar o sinew tornando em uma consistência emborrachada e ficará imprópria para o uso!
    Aplique, a seguir uma camada bem liberal de cola nas costas do arco. Se puder conseguir algum amigo para ajudá-lo nesta tarefa, será muito bom, pois é um serviço em que irá molhar ambas as mãos com a cola.
    Pegue um dos sinews desfibrados e coloque-o na cola de couro quente, mexendo-os na cola alguns segundos até que fiquem de consistência macia. Tire o sinew da panela e, com os dedos, retire o excesso de cola. Aplique então sobre o arco partindo do centro do mesmo, na altura do punho, para as pontas. Tome o cuidado especial de aplicar o sinew em camada grossa, mas espalhe-o bem em camada fina sobre as costas do arco. As rebarbas poderão ser lixadas após a secagem do sinew.  Ao chegar nas pontas, envolva as pontas com um pouco de sinew para fixá-lo bem e evitar que descole, em caso de alguma falha nessa área. Após aplicada a primeira camada de sinew, pincele outra mão de cola de couro e, de imediato, passe a aplicar outra camada fina de sinew. Após esta tarefa, deixe o sinew aplicado descansar alguns minutos e então envolva cuidadosamente todo o arco com uma atadura. Este procedimento não necessário, contudo, faz com que o sinew fique mais bem assentado e tenha uma melhor aparência.
    Agora aguarde a cola de couro e o sinew secar completamente uma ou duas semanas e aplique uma terceira camada de sinew. Se duas camadas de sinew é o que você quer então aguarde o arco secar duas semanas inteiras em um local bem seco e ventilado.
    Tendo secado o arco e  o sinew por duas semanas, retire a bandagem. Se a bandagem não quiser sair, lixe-a totalmente com uma lixa grossa e ponha uma corda mais longa no arco para verificar se as lâminas estão curvando simetricamente.  Se o arco não parece estar suficientemente forte, aplique outra camada de sinew. Se estiver forte demais, retire mais madeira do ventre do arco (a parte que fica voltada para sua face quando em posição de tiro) com uma raspadeira.
    Se o sinew estiver bem seco e as lâminas do arco estiverem curvando simetricamente, você poderá encordoar o arco e fazer, com segurança, o primeiro tiro. Após esta primeira série de tiros o sinew sofrerá uma certo assentamento e o arco perderá um pouco a sua força, mas não muito.
    Se você lixou o sinew nas costas do arco, você deverá cobri-lo para evitar que as fibras do sinew se levantem como cabelo arrepiado. Qualquer espécie de couro fino servirá. Couro cru, couro de cobra ou mesmo de algumas espécies de peixe poderá ser aplicado. Contudo deverá atentar para a questão de se usar sempre cola de couro e esperar duas semanas para secar completamente antes de atirar com o arco. O que se precisa deixar bem claro aqui é que o processo de elaboração do arco primitivo não é algo assim industrial. É primitivo mesmo e como as coisas antigamente caminhavam de forma mais devagar do que os dias hodiernos, demora certo tempo para submeter a nossa mente a um processo lento de se fazer as coisas. Aliás, eu, pessoalmente usaria o termo mais apropriado para deixar um arco com sinew aplicado descansar: cura. O arco tem que curar tal como um bom queijo. 
TOQUE FINAL NO ARCO COM SINEW APLICADO 
    Esta é uma parte de suma importância para que o arco tenha maior durabilidade. Como é uma peça elaborada com materiais naturais e com aplicação de produtos à base de água, a umidade é o seu maior inimigo. Os índios americanos tornavam o arco resistente à umidade esfregando várias demãos de gordura de urso ou outros tipos de gordura animal. Os europeus usavam o se chama de "French polish", que a combinação de óleo de linhaça e goma-laca. Esta mistura em igual parte de óleo de linhaça e goma-laca deverá ser esfregada no arco em mais ou menos uma dúzia de vezes para se obter uma proteção satisfatória. Os mais modernos bowyers, apesar de arqueiros primitivos, dão uma boa cobertura de poliuretano. Especial cuidado deverá ser dispensado aos nocks (lugar onde encordoa-se o arco).
    Com o arco pronto talvez gostaria de dar um toque de classe no mesmo, calçando o punho com couro. Uma vaqueta seria ótimo. O  couro poderá ser colado ou, de preferência, costurado, à mão, no punho do arco. Isto lhe dará uma  maior confiança na empunhadura. A costura deverá ser efetuada com duas agulhas e linha de sapateiro grossa, semelhante as que usam para costurar bolas de futebol. 
APLICAÇÃO DE COURO CRU 
    A aplicação de couro cru segue um processo semelhante. Poderemos chamar de couro cru para aplicação em arcos, não aquele couro de gado ou animal silvestre seco. É uma espécie de couro especial clarificado, meio transparente muito usado para confeccionar maletas de couro de excelente qualidade. Temos informações de uso bem sucedido daqueles couros industrializados na forma daqueles ossos grandes para cachorros fortalecerem seus dentes tentando  roê-los.
    O couro cru é um material inerte. Inerte pois não irá adicionar, como o sinew, força alguma ao arco. Poderá até diminuir um pouco a força do arco. A relação custo/benefício da sua aplicação é somente uma: irá manter as fibras da madeira no seu devido lugar evitando de quebrar o arco, se, e somente se, você seguir o sábio conselho de, ao desbastar a peça de madeira para fazer o arco, seguir as linhas dos anéis de crescimento da madeira. Se você cortou-a transversalmente ou em uma determinada parte do arco você desviou de seguir esta recomendação, o couro cru pouco ou nada poderá fazer para salvar seu arco e você ficará frustado. Portanto se você tem a intenção de fazer uma aplicação de couro cru no seu arco – siga esta recomendação e o mais importante: em face da perda de força do mesmo, altere as medidas do arco para fazê-lo mais forte. Se ficar mais forte do que você possa vergá-lo, é só desbastá-lo no ventre até chegar ao seu ponto ideal.
    Você precisará de duas tiras do couro cru cortadas um pouco mais largas do que o seu arco e pelo menos a 50% maior do que cada lâmina. Mergulhe as tiras em água morna por uma meia hora para que amoleçam. Enquanto elas ficam de molho, você pode ir preparando as costas de seu arco para receber a aplicação, raspando e lixando com uma lixa grossa.
    Fixe então o seu arco em uma morsa com a sua barriga para baixo e aplique a cola de couro em toda extensão de suas costas. Não use epoxi. Não funcionará.  Use sempre cola de couro elaborada naturalmente.  Aplique também uma demão de cola nas tiras de couro. Fixe o couro nas costas do arco e aplique outra demão de cola por cima e retire o excesso com os dedos. Semelhante à aplicação com sinew, envolva o arco todo em uma bandagem larga para assentar perfeitamente o couro nas costas do arco. É uma operação bem lambuzada, mas necessária. Os excessos de cola e couro poderão ser lixadas depois. Lembre-se: a cola de couro leva cerca de uma semana ou mais para ficar completamente seca!
    A finalização do processo é a mesma da aplicação do sinew.  A vantagem de se fazer um arco maior do que o normal é a seguinte: se o arco ficar muito fraco e não se puder desbastar muito o seu ventre, você tem ainda uma última alternativa: poderá remover uns três ou seis centímetros das pontas. Com isto ele ficará mais forte.
    Outro ajuste importante que poderá ser feito no arco é a correção da lâmina. Se a lâmina do arco, quando o mesmo estiver encordoado, estiver virando para um lado, deslocando a corda fora do eixo central do arco, retire um pouco de madeira na lateral oposta. A lâmina do arco torcerá para o lado mais fraco. Faça isto com moderação até a corda voltar ao eixo central, um pouco de cada vez e vá checando até conseguir a correção desejada.   
A CORDA DO ARCO 
    Os antigos arqueiros ingleses e índios americanos usavam para elaborar a corda de seus arcos o sinew torcido, couro cru, seda, e outros estranhos materiais, até mesmo algumas raízes fibrosas. O índio sul-americano também usa fibras muito parecidas com o sisal. Hoje confeccionar uma corda para um arco primitivo é um trabalho extremamente cansativo (o próprio arco o é) e somente compensará palmilhar por esse caminho se você for extremamente fundamentalista, um purista. Por outro lado é bem mais simples optar para materiais mais modernos neste caso, como o Dacron B50, um derivado do polyester. O material mais moderno é o Fast Flight. Contudo para arcos primitivos é um autêntico destruidor de nocks, quebrando as pontas dos arcos. Outra opção seria o Kevlar. Contudo, o ideal é você pedir a um amigo arqueiro que possua um Jig (gabarito) para se confeccionar cordas para arco para, quando aprender, você fazer sua própria corda. Porque batemos nesta tecla? A razão é simples. Se confeccionamos um arco fraco, uma corda de poliester será o suficiente. Contudo em arcos de 35 libras de força em diante, este material será impróprio para o uso, sendo esticada demais pela força do arco e irá, com certeza rebentar, e o encordoamento de arco com cordas mais grossas não deixará você encaixar o nock da flecha.  Portanto, nada melhor do que usarmos uma corda confeccionada com material moderno. 

Bibliografia 
Para se fazer um arco primitivo, com mais detalhes, infelizmente, o que existe a respeito é literatura estrangeira, sobretudo em língua inglesa. Alguns autores e seus trabalhos, caso você deseje pesquisar algo mais relacionado ao assunto: 
·        Jay Massey, The Bowyer's Craft, Bearpaw Publications, 1987, Girwood, Alaska
·        Jay Massey, The Book of Primitive Archery, Bearpaw Publications, 1989, Girwood, Alaska.
·        The Traditional Bowyer's Bible, V.1 e 1, Bois d'Arc Press, 1992 e 1993, Azle, Texas.                        

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Aljava de couro

         Aproveitando um tempinho livre antes do fim das minhas férias resolvi construir uma aljava, coisa que eu já estava devendo para mim a bastante tempo.

         Eu já fiz outros modelos, mas na época o foco era um quiver de caça, camuflado e que fixasse as flechas de maneira que não fizessem barulho durante uma caminhada no mato ou espera, mas agora o foco era completamente diferente, ainda que esta possa ser usada para o mesmo fim, o objetivo era diferente.

         Meu intento era obter um visual bem old time, materiais naturais e um aspecto mais típico da era de ouro dos arcos tradicionais.

         Com uma sobra de couro de sola que eu tinha guardado em casa, com o qual confeccionei bainhas de faca, procurei aproveitar o máximo possível do retalho, com o formato mais simples e natural possível.

         Primeiro medi e cortei um trapézio, cuja dobra formaria uma base mais estreita e uma boca levemente inclinada, de maneira que se apresentasse na horizontal mesmo com a inclinação natural da aljava nas costas.

         Depois parti para uns detalhes, elaborei um desenho que seria formado com a própria costura e o executei antes de fechar o tubo. com uma pequena ferramenta fiz o rebaixo na forma desejada e furei com uma furadeira e broca bem fina.

         Para fechar eu primeiro colei com cola de contato e depois fiz as marcações e os furos para a costura. 

         O fundo foi feito aproveitando um sola de chinelo velho por dentro e o próprio couro por fora. a borracha serviu para que as pontas não marcassem o couro na hora de colocar as flechas na aljava.

         O acabamento me surpreendeu, eu nunca havia experimentado mas arrisquei e ficou muito bom, sem aplicar tingimento algum, eu passei cera de abelha derretida sobre toda a superfície e aqueci o couro para que penetrasse. depois poli com um pano. o acabamento ficou bem marmorizado, com o ar vintage que eu desejava.



          A alça ainda é provisória, pretendo fazer uma de couro, mas o que eu tinha aqui era muito rígido para o objetivo.

Espero que tenham gostado.

Um abraço e bons tiros!


segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Longbow do Aventureiro



Em dezembro de 2012, com o meu amigo André Miranda, em uma de nossas conversas sobre coisas de mato, bushcraft, sobrevivência, fim-do-mundo etc, recebi uma proposta inesperada , ele estava me encomendando um arco tradicional, pois estava cansado das modernidades do seu arco composto como se pode ver no blog O Aventureiro


Confesso que inicialmente fiquei preocupado em aceitar, afinal, o Miranda é um entusiasta do mundo tradicional/primitivo, e tem o costume de adquirir coisas de marca e qualidade reconhecida no mundo Out Door. Mas por ser um amigo de longa data, e por saber que ele seria a pessoa mais indicada para cuidar de um arco tradicional, aceitei feliz o desafio.

Construir arcos é quase uma gestação, primeiro você visualiza o produto final, imagina suas cores, o formato do punho, sua potência e a curvatura de suas lâminas. Depois é hora de verificar qual material será preciso para confeccionar o arco, a quantidade e qualidade devem ser suficientes, com o risco de não se conseguir terminar o que começou.

O primeiro material que precisei foi o bambu, a fibra de carbono da natureza, com fibras retilíneas e uniformes, mais densas quanto mais se aproximam da casca.



Depois de colher o bambu e deixa-lo secar por alguns meses, fazemos algumas ripas, que futuramente se tornarão finas tiras com 4 a 6mm de espessura.


Essa tira cuidadosamente desbastada será o backing do arco, ou seja, o elemento estrutural que recebe a força tração nas costas do arco, sem esta proteção muito provavelmente as fibras da madeira começarão a arrepiar e em breve período de tempo o arco se romperá, isso quando não estoura nas mãos do arqueiro na primeira puxada.



Apoiado sobre o próprio stave de Ipê que fará parte do arco e preso na morsa e com sargentos, a tira de bambu vai tomando forma gradativamente, respeitando as suaves curvas que as fibras são forçadas a fazer por causa dos nós.




Os nós também são desbastados na parte de fora, de maneira que o arco tenha uma superfície mais lisa e um aspecto mais bonito. Cabe ressaltar que não é retirado todo o “calombo” formado pelo nó, mas permitindo que uma leve saliência fique registrada na superfície do bambu, pois ali há uma alteração no sentido natural das fibras, e retirar todo o material sobressalente diminuiria demais a resistência naquele ponto.




Depois de devidamente trabalhado o bambu para o backing, iniciei o trabalho de preparo da madeira para o arco, que seria minha primeira escolha, o Ipê. Cabe aqui uma observação, a confecção de arcos tradicionais é praia dos americanos, com a tradição dos flatbows dos índios norte-americanos incorporada a processos mais modernos de fabricação e design mais ergonômico e estético nos punhos criando assim o que se convencionou chamar de longbow moderno, ou longbow híbrido que seria a denominação mais correta, formato das lâminas flat e perfil mais alongado como os longbows ingleses. Mas voltando ao assunto da madeira, os gringos descobriram o ipê brasileiro e há uma enxurrada de artigos de construção de arcos com esta madeira, e muitos a consideram superior até do que as lendárias “osage orange” e o “yew” que é o teixo, isso dito estamos extremamente bem servidos de madeira para construção de arcos e não é à toa que nosso ipê era chamado pelos nossos índios de Pau d´arco.



A ripa de ipê devidamente retificada passa por um processo de aquecimento em vapor, e suas extremidades são tencionadas de maneira que tomem a forma reflex deflex desejada.



Depois da madeira e do bambu devidamente preparados, passamos para a etapa de colagem, além da cola, devemos preparar algumas coisas antes de iniciar efetivamente o processo. primeiro é preciso ter em mãos alguns sargentos, que serão essenciais para um correto posicionamento e pressão para a colagem, também é interessante fazer algumas tiras de borracha de pneu, e os gabaritos, que são pequenos toquinhos de madeira cortados na medida das curvaturas pretendidas.

As tiras de pneu, são usadas para auxiliar os sargentos a exercer pressão entre o bambu e a madeira, e também para distribuir uniformemente esta pressão.




A cola que utilizo, depois de algumas experiências mal sucedidas com diversas colas, é a Cascophem, um adesivo com base em resorcinol formaldeídeo, que simplesmente "solda" a madeira, sendo utilizada inclusive na confecção de varas de pescar de bambu. Muitos bowyers utilizam adesivos epoxi, dentre eles o araldite 24h, mas eu não me adaptei bem ao epoxi, tendo tido melhores resultados com a cascophen. Ressalto porém que se as proporções indicadas pelo fabricante (uma vez que se trata de um adesivo bi-componente) não forem devidamente respeitadas, e também o tempo de secagem, provavelmente seu backing de bambu vai descolar.



Depois de aproximadamente uma semana o arco é "desenformado", neste momento se avalia a qualidade da colagem, verificando se houveram falhas ou descolamento em algum ponto. Qualquer falha identificada neste momento deve ser motivo para abortagem completa da construção e que se refaça todo o procedimento de colagem, jeitinhos e remendos podem, e vão comprometer completamente a qualidade e durabilidade do futuro arco.



O arco deve manter boa simetria, e curvas suaves e naturais.



Neste ponto, começa-se a desbastar a madeira, inicialmente para limpar os excessos de cola e visualizar corretamente o trabalho, como para chegar no perfil do arco.



Depois de limpar e deixar o arco no perfil correto é hora da colagem do punho, usam-se os mesmos cuidados da colagem do backing.



Depois de colada, a madeira é trabalhada até o formato desejado. Eu gosto muito deste modelo, é elegante mas ao mesmo tempo simples. Existem muitos modelos de punhos para arcos, uma consulta rápida no google mostra o universo de modelos existentes.


Feito o punho, entramos na parte mais importante da confecção do arco, o Tiller, que é o desbaste gradual das lâminas, de forma que ao retesar a corda ambos os lados do arco curvem-se por igual e sem pontos de curvatura excessiva. Vale lembrar que, em uma arco tipo deflex/reflex como este, a curvatura se mostra aparentemente desigual, isto ocorre porque parte da lâmina está pré-curvada positivamente e parte negativamente, então, o comportamento das laminas frente o puxar da corda será proporcional a esta forma pré-definida, alcançando a curvatura mais uniforme e arredondada somente no final da puxada, a chamada full draw.


Depois de desbastado o arco, entramos na etapa de acabamento, onde são confeccionados os nocks, o arco é lixado e polido e por fim envernizado.


Neste arco eu usei verniz automotivo, mas já fiz acabamento com seladora e cera com bons resultados.




O amigo Miranda foi buscar pessoalmente o arco, e aproveitamos para botar o papo em dia e dar uns tiros de estreia do arco.




O aventureiro demonstrando sua habilidade logo que chegou em casa acrescentou um belo couro ao rest do arco, completando assim o ar tradicionalista do longbow!








Espero que tenham gostado!

Em breve postarei algumas fotos de outros trabalhos e sempre que possível estarei atualizando artigos de passo-a-passo ou tutoriais relacionados à construção e tiro com arco.

Um grande abraço e bons tiros!














terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Meu Primeiro Arco primitivo

Achei interessante iniciar as postagens mais "técnicas" com uma homenagem ao primeiro arco que confeccionei utilizando as técnicas primitivas.

No ano de 2001, pouco depois de encontrar o artigo mencionado no post anterior, iniciei minha busca por um pedaço de madeira apropriado para fazer meu primeiro arco, e as madeiras recomendadas eram respectivamente o Pau-brasil, o Ipê roxo e a aroeira. Mas eu não tinha acesso a nenhuma destas madeiras. Em pesquisas na internet, e trocando e-mails com o amigo que escreveu o artigo, fui informado que boa parte das árvores frutíferas fornecem bom material à confecção de arcos. Isto para mim foi uma excelente notícia, pois meu quintal era bem arborizado e eu tinha algumas fruteiras disponíveis.

Por suas características estruturais, e pela árvore contar com um galho grande e relativamente reto que poderia ser retirado sem matar a árvore, escolhi como "vítima" um pé de ameixa, cuja madeira é muito clara e bonita.



Derrubei o galho referido, que tinha em torno de 2 metros com 10 cm de diâmetro aproximadamente, lasquei-o ao meio com o auxílio de um machado e de cunhas de madeira. com o tronco devidamente dividido em 2 no sentido longitudinal, aguardei pacientemente alguns meses para a secagem da madeira, cuidado este essencial para o sucesso do arco, pois madeiras "verdes" tem muita memória cedendo á curvatura do arco mantendo a forma curva mesmo sem estar encordoado, isso faz com que se perca muita força e velocidade.


Arcos são nada mais do que molas, devidamente fixadas a uma corda, que converte a força acumulada pelas lâminas do arco, em movimento com alta velocidade transferido á flecha. Mas se fizermos o arco com medidas uniformes, com relação à largura e espessura de suas laminas, iremos concentrar o esforço no ponto central do arco, no punho, pois ao puxar a corda, ela divide de maneira progressiva a força de flexão sobre o arco, tanto pelo ângulo formado entre a corda e a lâmina, quanto pela distância entre a corda e o punho, que é o ponto de apoio da alavanca, portanto, para que o esforço seja dividido de maneira uniforme por toda a extensão do arco, não causando pontos fracos e aproveitando o máximo possível da deformação elástica da madeira, devemos ir afinando as lâminas quanto mais se aproxima das pontas do arco.

Imagem retirada da internet:


Optei pelo modelo longbow inglês, pelo romantismo dos filmes com histórias medievais e lendárias como Robim Hood. Mas este de longe não é o mais eficaz dos modelos de arcos, arrisco dizer inclusive que é um dos piores, precisa ser longo (normalmente do tamanho do arqueiro ou maior) justamente porque o formato de sua lâmina em "D" sobrecarrega muito a estrutura, pois quanto mais distante se encontram as faces das costas (back - parte que fica de frente para o alvo) e ventre (belly - parte que fica virada para o arqueiro), mais pressão de tração sofre o back e compressão sofre o belly, causando muitas vezes a ruptura do arco.

Depois de muitos dias de trabalho, onde as laminas foram lentamente raspadas com facas bem afiadas e até mesmo com cacos de vidro, e a curvatura foi sendo analisada cuidadosamente a cada sequencia de desbastes até atingir a forma desejada.

Não vou exaurir todas as técnicas e etapas deste tipo de construção, pois isto tornaria o texto muito longo e cansativo de ler, vamos nos aprofundando lentamente conforme o blog for sendo atualizado.

Esta é uma das poucas fotos que tenho dele, da época em que o construí a mais de 10 anos atrás e quase 30 quilos mais magro.


O arco ficou com aproximadamente 60 libras, e nem preciso dizer que eu não conseguia com esse chassi de grilo puxa-lo completamente. Mesmo assim me trouxe muitas alegrias, e ainda está guardado comigo sem quebrar, aposentado por tempo de serviço.

Um abraço a todos e bons tiros!